Práticas Corporais no SUS e os Profissionais de Educação Física: uma necessidade para a saúde

A conexão que estabelecemos com o nosso próprio corpo não é automática ou instintiva. Ela se constrói ao longo da vida, por meio de experiências, percepções e interações com o mundo. Um contexto que ofereça práticas corporais variadas e atividades físicas favorece essa construção, atuando em diferentes linhas de cuidado e potencializando a saúde.


Nesse sentido, a saúde coletiva encontra nas práticas corporais e nos profissionais de Educação Física aliados fundamentais. A Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) reconhece as práticas corporais e atividades físicas como possibilidade de prevenção e cuidado de diversos adoecimentos e como instrumento de equidade (BRASIL, 2014). A política propõe o cuidado ampliado, integrando saúde, cultura, território e participação social.


O potencial das ações envolvendo práticas corporais e atividades físicas no SUS está diretamente relacionado ao protagonismo dos profissionais de Educação Física, cuja atuação vai muito além da orientação técnica sobre o movimento. Esses profissionais mobilizam, escutam, acolhem e fortalecem vínculos, permitindo que as pessoas reconheçam a conexão com o próprio corpo, ampliem sua inserção no território e expressem identidade, cultura e resistência — associando as práticas também à dimensão do lazer.


Através dos profissionais de educação física  as práticas corporais e atividades físicas podem ser incorporadas nas diferentes linhas de cuidado na saúde, principalmente da Atenção Primária à Saúde, contribuindo de maneira significativa para o fortalecimentodo SUS. Segue alguns exemplo:

- Doenças crônicas: promovem autonomia, funcionalidade, melhor controle glicêmico, melhora da pressão arterial e bem-estar geral, contribuindo para a prevenção e o manejo de diversos adoecimentos, incluindo diferentes tipos de câncer;

- Saúde mental: fortalecem vínculos, estimulam a conexão com o próprio corpo, promovem inserção comunitária e reduzem sintomas de ansiedade e depressão;

- Saúde da pessoa idosa: ampliam vínculos e autonomia, previnem quedas e fortalecem o autocuidado;

- Infância e adolescência: incentivam hábitos saudáveis, ludicidade e socialização;
Reabilitação: colaboram com processos terapêuticos e recuperação da funcionalidade corporal;

- Pessoas com deficiência, especialmente com Transtorno do Espectro Autista (TEA): favorecem a estimulação sensório-motora, a expressão corporal, a socialização e o fortalecimento da autonomia no cotidiano, com práticas adaptadas;

- Promoção da equidade: alcançam populações vulnerabilizadas e garantem acesso ao cuidado por meio do corpo em movimento.


Importante ressaltar, o Programa Academia da Saúde, instituído em 2011, se destacou como  principal experiência (BRASIL, 2019). Por meio da implantação de polos com infraestrutura adequada e a presença de profissionais de Educação Física, o programa oferece à população atividades físicas orientadas, práticas integrativas e promoção da saúde em seu sentido mais amplo. É uma ponte entre o cuidado e a cidadania, que leva o SUS para além das unidades de saúde tradicionais. Experiências exitosas em diferentes municípios brasileiros também mostram o potencial transformador dessas ações, entretanto o incentivo a insercão do profissional de educação física no SUS ainda é fragmentado, pulverizado e não efetivado em diversos locais.


Apesar dos avanços, ainda enfrentamos desafios estruturais que limitam a consolidação dessa agenda no SUS. É preciso fortalecer dinâmicas relacionadas ao bem viver, incentivando rotinas ativas com mais estrutura e financiamento. Por isso, a proposta de uma Política Nacional de Práticas Corporais e Atividades Físicas (PNPCAF) é fundamental: um plano para ampliar e integrar as ações, com metas claras, definição de responsabilidades e apoio técnico e financeiro. Desta forma, a política atrelada ao SUS conseguiria garantir o direito das pessoas ao engajamento em modos de vida fisicamente ativos por meio da abrangência dos serviços de saúde (ROQUE ANDRADE et al., 2025).


O SUS pode — e deve — realizar campanhas educativas, investir na formação continuada de profissionais, fomentar a participação popular e valorizar os espaços públicos como territórios de cuidado e movimento. Vinculada à Atenção Primária, dada sua capilaridade, a política pode articular redes entre esporte, educação, cultura, assistência social, organizações não governamentais e setores privados, atuando nas mais diversas linhas de cuidado, gerando impactos econômico e sociais positivos (WHO, 2022).


A ampliação das práticas corporais, das atividades físicas e da atuação dos profissionais de Educação Física responde a uma necessidade de saúde para o bem viver, sendo a conexão com o próprio corpo um aspecto fortalecedor do cuidado. Que as praças e os espaços de prática se consolidem como locais de encontro, e que o profissional de Educação Física na saúde seja valorizado como um elo significativo entre o SUS e a comunidade. Porque onde há corpo em movimento, há vida que resiste. E onde há vida que resiste, há saúde que floresce.


Paulo Spina - profissional de educação física no SUS; doutor em programa interdisciplinar em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades (FFLCH - USP)

Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde: revisão da Portaria MS/GM nº 687, de 30 de março de 2006. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
BRASIL. Ministério da Saúde. Programa Academia da Saúde: caderno técnico de apoio à implantação e implementação. Brasília: Ministério da Saúde, 2019.
ROQUE ANDRADE, J. et al. Política Nacional de Práticas Corporais e Atividades Físicas: uma proposta para ampliar o cuidado no SUS. Brasília: Rede de Pesquisa em APS, 2025.
WHO – WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global status report on physical activity 2022. Geneva: WHO, 2022. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240059153. Acesso em: 10 abr. 2025.