Entre o bar e o posto de saúde: o uso problemático de álcool e o impacto no SUS

O consumo abusivo de bebidas alcoólicas representa um desafio significativo para a saúde pública no Brasil, acarretando custos econômicos e sociais elevados. De acordo com um estudo da Fiocruz coordenado por Eduardo Nilson, em 2019, o país teve um custo total de R$ 18,8 bilhões devido ao consumo de álcool. Desse montante, R$ 1,1 bilhão foram gastos diretamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em hospitalizações e procedimentos ambulatoriais, enquanto os custos indiretos, incluindo perdas de produtividade por mortalidade prematura e licenças médicas, somaram R$ 17,7 bilhões 


Além dos impactos econômicos, o consumo de álcool está associado a aproximadamente 105 mil mortes anuais no Brasil, afetando majoritariamente a população masculina. Esses números evidenciam a urgência de políticas públicas adequadas para enfrentar os danos relacionados ao álcool, especialmente por meio de medidas fiscais, regulatórias e de conscientização da sociedade.


Uma medida concreta para enfrentar esse problema é a implementação de um imposto seletivo sobre bebidas alcoólicas. Essa estratégia visa não apenas aumentar a arrecadação, mas também desestimular o consumo excessivo. Experiências internacionais demonstram que o aumento dos preços das bebidas selecionadas está correlacionado à redução do seu consumo e, consequentemente, à diminuição de doenças e mortes relacionadas (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018). 


Diante desse cenário, a recente aprovação da Emenda Constitucional nº 132 de 2023, que prevê um imposto seletivo sobre produtos relacionados à saúde, representa uma oportunidade concreta para implementar essa tributação no Brasil. O Instituto Nacional de Câncer (INCA) apoia essa iniciativa, destacando que o consumo de álcool está diretamente associado ao aumento do risco de desenvolvimento de diversos tipos de câncer (INCA, 2024).


Outra ação essencial é a regulamentação da publicidade e do marketing de bebidas alcoólicas. Alguns países adotam restrições a propaganda de bebidas alcoólicas. No Brasil, uma proposta eficaz seria exigir que parte dos espaços publicitários de bebidas alcoólicas fosse destinada a conteúdos educativos em defesa do SUS, destacando informações sobre os riscos do consumo abusivo e incentivando a prevenção. Essa estratégia não apenas reforçaria a conscientização, mas também garantiria um contraponto ao estímulo ao consumo presente na publicidade comercial.


É essencial, ainda, criar barreiras que dificultem o acesso de adolescentes ao álcool, garantindo um controle mais rígido sobre os pontos de venda e os horários permitidos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) já criminaliza a venda de bebidas alcoólicas para menores, mas a fiscalização ainda é deficiente. Experiências internacionais, como a recente legislação espanhola que restringe a promoção e venda de álcool perto de escolas, mostram que a regulamentação mais rigorosa pode reduzir significativamente o consumo precoce (EL PAÍS, 2025). No Brasil, o ambiente escolar pode ser um espaço significativo para a prevenção, com a inclusão de programas educativos desde os últimos anos do ensino fundamental e no ensino médio, utilizando metodologias ativas que envolvam os estudantes na discussão sobre os riscos do álcool.


Além de tributações, regulações e restrições, é essencial que os recursos arrecadados sejam direcionados ao fortalecimento do SUS. Campanhas educativas, ampliação de serviços especializados e capacitação de profissionais de saúde são algumas das ações que podem ser viabilizadas com o incremento de recursos, promovendo um maior acesso ao diagnóstico precoce do uso problemático de álcool. Os Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Outras Drogas (CAPS AD) devem ser expandidos e aprimorados, garantindo atendimento integral e humanizado para pessoas que necessitam de apoio. 


A adoção de investimentos no SUS é essencial para construir uma sociedade mais consciente dos riscos associados ao consumo de álcool e mais solidária com pessoas que precisam de apoio.


Paulo Spina

Profissional do SUS. Especialista em Saúde Mental na Atenção Básica.


Referências
EL PAÍS. La nueva ley del alcohol prohibirá el consumo en menores, su promoción cerca de colegios y la publicidad de destilados 0,0. 2025. Disponível em: https://elpais.com/sociedad/2025-03-11. Acesso em: 22 mar. 2025.


INCA – INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER. Álcool e câncer: recomendações para a população brasileira. Rio de Janeiro: INCA, 2024. Disponível em: https://www.inca.gov.br/. Acesso em: 22 mar. 2025.


WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Global status report on alcohol and health 2018. Genebra: WHO, 2018. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789241565639. Acesso em: 22 mar. 2025.